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sábado, 4 de março de 2017

Capítulo 5

Eu estava indo encontrar com minha irmã em sua faculdade, onde a Clara cursava seu segundo período de Musicoterapia e, de lá, iríamos juntas a uma consulta ao dermatologista, coisa de rotina mesmo.

Durante todo o percurso tentei não pensar na cena vivenciada a poucos minutos, eu estava confusa demais para isso.

Já estávamos na sala de espera quando senti meu celular vibrar. Notificação roxa. Artur.

"Juro que eu tentei, mas é muito difícil"

Oi? O que era aquilo? Tentou o que? Esse garoto é estranho. Além do mais, detesto esse mistério.
Sem nem pensar em possibilidades do significado daquela frase, respondi rapidamente.

"Tentou o que?"

(Talvez eu devesse ter pensado melhor antes de deixar minha curiosidade passar por cima de tudo).

"Tentei falar que gosto de você, mas simplesmente não dá. Sempre acabo travando, e dessa vez pesou"

Oh, céus. Ele iria se declarar por mim através de mensagens??? E eu??? O que iria responder??? Tudo que eu mais tinha sonhado durante os últimos dias estava bem na minha frente e eu não sabia como lidar.

"Eu simplesmente não sei o que falar, é muita coisa pra minha cabeça"
"Nem eu, julha, mas só sabia que tinha que falar algo, não dava mais pra segurar"
"É muita coisa pro meu coração em tão pouco tempo"
"O que a gente faz então?"

Eu não tinha a mínima ideia, meu coração nunca havia estado mais acelerado. E minhas mãos não paravam de tremer, até a Clara, que estava sentada em uma poltrona ao lado da minha, reparou a agitação.

- Que isso, Júlia, você tá bem?

E eu apenas balancei a cabeça, não queria ter de explicar tudo pra ela naquele momento.

"Você tem alguma sugestão?"
"Olha Júlia, você já sabe o que eu sinto, mas e você?"
"Eu tenho medo. Muito medo. Medo de te perder, medo de estragar nossa amizade, medo de perder isso que temos, porque uma relação assim não é fácil de conseguir, e você sabe o quanto bem faz bem"
"Sem essa, julha. Vamos ser diretos. Vc gosta de mim do jeito que eu gosto de vc?"

Socorro. Como ser direta? Como expor meus sentimentos dessa forma com meu melhor amigo?

"É muito difícil, eu não sei"
"Sim ou não?"
"Acredite, eu tenho pensado muito sobre isso, mas é muito mais complicado do que parece"
"Onde está a dificuldade? Não to entendendo"

Ele realmente queria me fazer expor, depois de tantas promessas de esconder os sentimentos para não feri-los.
Parecia que tinha um objeto entalado na minha garganta, eu teria mesmo que falar.

"Ok, Artur. E se a resposta for sim? O que acontece? O que muda? Como a gente fica?"
Respira, Júlia.
"Você sabe muito bem"

Mas eu não sabia, e foi isso que disse a ele.
Falei também que iria demorar a respondê-lo, porque estavam chamando meu nome para ser atendida, enquanto, na verdade, eu havia chegado mais cedo para a consulta e ainda tinham umas três pessoas na minha frente.
Desliguei a internet por um tempo, eu precisava pensar muito bem antes de tomar qualquer decisão.

- O que você tem, Júlia? Você definitivamente não está normal.
- Clara, me deixa, só não estou afim de conversar.
Mas ela tentou me fazer cócegas, contou piadas e me irritou até que eu não aguentar mais, e fui obrigada a contar pra minha irmã algo que eu tentava esconder até de mim mesma.

- Huuum, e você? O que sente por ele?
- Eu não sei...
- Tá. Já percebi que também gosta. Dá uma chance, Ju. Se os dois se gostam, não custa tentar.

Mas eu não confiava nessa. Já tinha me dado mal vezes o suficiente para saber que não era tão fácil assim. E, se dependesse de mim, dessa vez não teria um final trágico. Se eu decidisse tentar, faria de tudo para dar certo, e por isso era uma decisão difícil.

Eu queria ouvir mais uma opinião, e decidi ligar pra Bia e contar pra ela também. Ela saberia me aconselhar bem.

- Olha Ju, eu acho que você está certíssima de ser cautelosa nesse momento e pensar mil vezes antes de dar uma resposta. Mas não deixe que seu medo estrague uma possível relação. Pode ser que você esteja confusa, ou que não goste o mesmo tanto que ele, mas o que custa tentar? Nesse caso, é melhor se arrepender de ter feito do que ficar pra sempre imaginando o que poderia ter acontecido. Faz igual eu com o Lu, conversa com ele, explica direitinho o que tá sentindo, e tenho certeza que dará tudo certo.

- Obrigada, Bia. Você é demais.

- Imagina, flor. Agora vai conversar com seu amor e me conta tudo depois! Beijos!

Minha consulta ainda demorou alguns minutos, mas eu não me importava. Quanto mais tempo antes de ter que encarar a realidade que me aguardava, melhor. E só liguei a minha internet novamente quando já estava em casa, no conforto da minha cama e com um copo de água para emergências ao lado.

"Você sabe muito bem que não sou de me abrir pra qualquer um, não sou igual os caras que você namorou. Se eu gosto de você e te falo, é porque é de verdade. Não sou menino pra ficar brincando com isso, e eu não tava aguentando mais ficar pensando e criando situações na minha cabeça pra ver se eu tinha coragem de te falar algo. Eu não vou te pressionar, quando quiser falar, me chama."

1. Como assim os caras que eu namorei???? Como se tivessem sido vários. Como se algum tivesse valido.

2. Ok, eu sabia que ele não se abria com facilidade, e já sentia aquele clima a algum tempo, mas

3. Como assim não é menino pra ficar brincando com isso? Como eu ia saber? Eu não fazia ideia de como o Artur lidava com garotas nesse aspeto. Até hoje, só tinha visto ele ficando com meninas que ele nem conhecia em festas, e digamos que não conversávamos muito sobre isso.

Mas a verdade é que eu sei que as coisas mudam quando estamos apaixonados. Mas também sei como a maioria dos caras se aproveitam dessa situação.
Eu estava totalmente dividida. Não acho que ele faria algo pra me magoar, jamais. Mas eu estava tão confusa, e, por mais que não quisesse admitir, eu também não havia parado de criar essas situações na minha cabeça de um tempo pra cá.
Depois de muito pensar, resolvi chamá-lo.

"Tá aí?"

"Tô. Fala sem apagar, por favor."

Eu tinha essa mania, e ele sabia disso. Começava a escrever algo e logo apagava tudo, com medo de me arrepender no futuro, mas dessa vez eu me esforçaria pra não fazê-lo.

"Você pediu pra eu ser direta, mas sabe que isso é difícil pra mim. O que eu sei é que tenho muito medo de perder isso que a gente tem, mas também gosto muito de você. Não sei se exatamente da mesma forma, mas também não quero me arrepender de não tentar." 

Pronto. Falei. Eu poderia me arrepender pelo resto da vida se não corresse esse (grande) risco. Mas que se dane. Eu gostava dele, e se era recíproco, não tinha porque não tentar.

"Então podemos marcar de sair? Que dia você pode? (É muito ruim ter essa conversa por mensagens, mas não teve jeito)"

"Sim, é péssimo, mas vou olhar aqui na minha agenda se tenho um tempinho pra você."

E nessa hora o clima já voltou ao normal, descontraído e leve como sempre, nem parecia que melhores amigos haviam praticamente acabado de se declarar. 
Marcamos de nos encontrar dois dias depois, em uma quinta-feira.
Iríamos assistir Como eu era antes de você, justamente a comédia romântica que eu duvidara que ele veria comigo.
E, apesar de estar totalmente em pânico por dentro, eu tentaria manter a calma e deixar o nervoso para o dia do encontro, já que teria que aguardar um dia e meio inteiros para encontrá-lo e confirmar se tudo não passava de uma pegadinha que serviria para me debocharem pelo resto da vida.

*

Infelizmente, as coisas não são tão simples assim. Logicamente eu não consegui afastar esse pensamento nem por um segundo, e o lado investigador do Artur não estava ajudando.

Tínhamos conseguido desviar o assunto durante algumas horas, acredito que nenhum dos dois queriam demonstrar o quão ansiosos estavam, mas ele foi o primeiro a ceder através de uma mensagem.

"Me desculpa por voltar nesse assunto, mas quando você disse que também tinha pensado sobre mim, o que exatamente estava pensando?"

Uma mensagem que eu não queria responder.
Demonstrar meus sentimentos por pessoas que não fossem da família ou que tivessem cem porcento da minha confiança havia se tornado cada dia mais difícil depois de algumas decepções.

Nessa hora, fui salva pela minha mãe, que, não importava o horário e mesmo trabalhando muito, era sempre muito animada.

-Ju, vamos à academia?

Era uma ótima ideia. Apesar das férias, eu não havia ido com frequência ao meu clube. Ele ficava pertinho da minha casa e oferecia diversas atividades. 

Antes de sairmos, porém, a mulher que me conhecia como conheço a palma da minha mão, notou que eu estava diferente, e caiu na bobagem de dizer isso perto da Clara.

Agora eram duas pessoas dentro de casa me atormentando, dizendo que eu estava apaixonada, e que eu devia logo dar uma chance ao Artur, "porque ele era um fofo e eu estava caidinha por ele". Argh.

Depois de extravasar e tomar um banho renovador, resolvi ligar para o Artur e resolver aquilo de uma vez por todos.

-Tá, eu te odeio por me fazer falar essas coisas, e eu não sei o que você quis dizer quando falou sobre criar situações na sua cabeça, mas a verdade é que eu também tenho feito muito isso - o silêncio do outro lado da linha era perturbador. - Vou te dar um exemplo péssimo, mas é o que consigo pensar. Quando você me manda aquelas brincadeirinhas no twitter, eu nunca sei se levo a sério ou se é apenas ironia, e isso não sai da minha cabeça. E quando você postou a foto no meu aniversário, eu realmente morri. Mas já me expus o suficiente, fala alguma coisa.

-Péssimo, Julha? Você deu o exemplo perfeito. E como assim você morreu? Você precisa ser mais clara.

Mas ninguém entendia o meu medo. O quanto eu travava na hora de explicar meus sentimentos. Apesar de ser uma amante secreta das palavras, elas me fugiam nos piores momentos, e foi o que tentei explicar.

-Júlia, eu te entendo, lembro do seu status e sei o quanto é difícil falar sobre isso. Mas você também tem que se colocar no meu lugar, eu não tinha ideia de qual seria sua resposta, e pelo visto você nem conta nada pras suas amig...

-ESPERA AÍ, VOCÊ PERGUNTOU PRA ELAS???

Nem eu havia falado nada com ninguém além da bia!!!

-Lógico que falei com elas. Se fosse pra ficar estranho entre a gente eu não ia querer nada. Aí perguntei pra Laura e pra Alex. Fico feliz que elas não tenham te falado nada.

A Laura vocês já sabem quem é. E a Alex era uma amiga que tinha sido da nossa sala no nono ano, mas que eu havia me afastado um pouco. E o pior é que, por ela ser amiga do Artur, eu a havia chamado pra desabafar sobre o que estava sentindo ontem, mas acabei desistindo. Ainda bem. Ela teria contado tudo pra ele e agora eu estaria morrendo de vergonha.

-Eu odeio essas traidoras, tinham que ter me contado!

Depois disso, acredito que ambos chegaram juntos a conclusão: estava claro pra gente que não adiantava mais tentar fingir que não se importavam. Tarde demais para esconder nossos sentimentos.

Encerramos a chamada e voltamos para o chat. Deixamos de lado também a picuinha e a tentativa se não demonstrar a ansiedade que estávamos sentindo para o dia 4.

Conversamos sobre todas as vezes que tentamos fingir não perceber a paixão do outro, sobre aquela festa de 15 anos que tínhamos ido há mais de 2 anos. A festa em que ele exagerou um pouco na bebida e, ao final, sentamos juntos em um cantinho, ele me fazendo um carinho maravilhoso que eu fingi ser só de amigo, mesmo que estivéssemos quase nos beijando de tão próximos.

Dois anos haviam se passado, e nada tinha mudado. Ele me disse que durante todo esse tempo pensava em mim muito mais do que como amiga, e eu aqui na inocência.

Pensei na possibilidade de estar sonhando e acordar a qualquer momento, mas um fato em especial me fez cair na real.

O único dia em que eu realmente havia pensado que ele pudesse gostar de mim. O dia que eu havia mencionado para a bia. Ele se lembrava dessa data.

Como eu havia dito para minha amiga, nesse dia eu ainda namorava com o Pedro, e estávamos em uma festa quando o Artur apareceu. Resumidamente, meu ex tentou provocá-lo de todas as maneiras, me agarrando toda vez que ele passava, o que achei muito estranho e parei aquilo imediatamente. Eu vi a reação do Artur, seu olhar triste ao observar aquela cena, e fiquei arrasada. Mas, na época, não tinha como eu ter certeza do que aquilo significava, e imaginei que pudesse ser apenas ciúmes de amigo.

Agora, cinco meses depois ele confirmava essa história, dizendo ter sido uma das piores cenas que presenciara, tendo ficado arrasado pelo resto da noite, em que acabou fazendo bobagens como forma de vingança. Mas fez isso em casa. Sozinho. Sem que eu soubesse de nada para não me magoar.

Eu estava totalmente chocada. Aquilo parecia cena de filme. Mas as coisas não ficavam em clima ruim com o Artur, e apesar de ele estar bravo com a lembrança, logo eu já estava rindo de novo ao ser comparada com uma chuteira. Segundo ele, esse momento estava parecendo véspera de Natal de quando era criança, em que certa vez pediu uma dessas de presente e parecia que o dia de recebê-la nunca chegaria. Quando finalmente conseguiu, não parava de olhar para o pé nem um minuto.

Nunca fiquei tão feliz em ser comparada com um objeto.

O tempo foi passando e quando percebi já era onze da noite. Eu tinha conversado com ele simplesmente o dia inteiro e, apesar de normalmente dormir cedo, nesse dia eu não queria interromper a conversa, não queria dormir e acordar ainda faltando um dia para vê-lo, não queria correr o risco de estar sonhando.

Tiveram assuntos tensos, em que ele fazia perguntas sentimentais demais pra serem respondidas por WhatsApp, momentos de lembranças, de tristeza e de gargalhada, recordando cenas dos nossos dois anos e meio como amigos.

Acima de tudo estava a ansiedade. Eu só queria encontrá-lo logo, poder tocá-lo, conversar direito e saber se aquilo era mesmo real.

Mas uma hora acabei cedendo ao sono, já que acordaria cedo na manhã seguinte.

Teria que esperar mais um dia, mas, se tudo desse certo, valeria a pena.

Fiquei sumida mas espero que tenham gostado de mais um capítulo da série Julha e Artu <3

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