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quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Capítulo 4

O segundo dia de aula não foi muito diferente do primeiro. Apesar de já estar lotada de trabalhos e matéria para estudar, eu não conseguia me concentrar. Não que eu seja despreocupada com questões escolares, pelo contrário, sou tensa até demais com isso, mas uma pulga atrás da orelha não me deixava em paz.

O pensamento de que o Artur pudesse estar me tratando como segunda opção não saía da minha cabeça. Eu poderia apostar que ele havia combinado de encontrar a Renata também. Talvez antes de mim, talvez assim que eu fosse embora. Ou será que ele deixaria pro dia seguinte? Eu estava enlouquecendo quando o sinal do intervalo tocou.

O Colégio Milênio era enorme, mas depois de três anos estudando lá eu já havia me acostumado com seu tamanho e passava os recreios dando voltas e mais voltas enquanto fofocava colocava os assuntos em dia com a Laura.

Desci as escadas que levavam até a cantina principal rapidamente, desviando dos colegas desesperados para jogar bola e dos que não tinham pressa alguma. Como o esperado, ela estava lá, comendo sua barrinha de cereal e esperando por mim.

E eu já ia começar a desabafar quando vi a Alice se aproximando.
A verdade é que ela é a menina mais fofa, inteligente e simpática do nosso ano, sou encantada por sua alegria e bom humor (exceto quando a acordam cedo), e nossa amizade havia crescido muito, já que no ano anterior estávamos todas na mesma sala, mas agora havia um problema.
Ela era a melhor amiga da Renata.
Desde que eu entrei no CMil - "apelido" da nossa escola - e fiquei amiga da Laura, ela me contava sobre a Renata e suas inúmeras confusões com outras garotas do colégio, e eu respeitava que não se gostavam muito, mesmo sem saber o motivo. E eu não tinha nada contra e nem a favor dela. Até o começo do ano.
Eu namorava o Pedro, que era muito amigo do Vítor, que, na época, namorava a Renata.
E a minha insatisfação com ela cresceu naquele dia.
Era aniversário do Vítor, e iríamos para o Outback depois da aula para comemorar.
A Laura não iria porque já tinha marcado de ir fazer sua primeira tatuagem naquele dia e estava super ansiosa. E, além da Renata, iriam a Sara e a Bela, duas outras colegas que, apesar de super divertidas, eu não era tão próxima.
O meu ânimo estava quase negativo, mas eu precisava ir. O clima com o Pedro estava péssimo, e aquilo estava me fazendo muito mal, eu precisava conversar com ele.
Acontece que o horário das aulas a tarde variavam de acordo com as salas, e, apesar de eu, a Sara e a Bela já termos sido liberadas, ainda faltava uma hora pra que a Renata saísse.
Estávamos as três sentadas em uma das mesas do pátio vazio e eu ouvia a Sara combinando de esperarmos a Renata e dividirmos um táxi, enquanto os meninos já estariam nos aguardando no Pátio Savassi.

Enquanto isso, eu escutava inúmeras perguntas sobre o meu relacionamento. Meu namorado era melhor amigo da Sara, eu tinha que tomar cuidado com o que falava.
-O que você vai fazer quando ele for pra Porto? Vai terminar? Quero nem ver isso.
A viagem a que ela se referia, é aquela famosa por ser realizada pelos alunos do terceiro ano do Ensino Médio, que, nas férias de julho, contratam uma empresa de turismo e vão para Porto Seguro, onde são inclusas muitas festas e loucuras. E que, apesar de achar que deve ser divertido, eu nunca tive muita vontade de participar.
Acontece que o Pedro estava repetindo de ano, então em aproximadamente cinco meses ele faria essa viagem com os amigos, e ele não falava sobre outra coisa.
Se eu sentia raiva? Não.
Ciúmes? Nem um pouco.
No fundo eu tinha certeza de que não precisava me preocupar com aquilo, eu sabia que aquela relação não duraria até o meio do ano. Na verdade, eu nem sabia direito por que havia começado...
Ainda estava pensando em como responder àquela pergunta quando a vi.
-Sara e Isabela, venham aqui agora! Minha mãe já está esperando pra levar a gente.
Eu não estava entendendo nada, só ouvia uma gritaria.
-Mas o combinado era...
-Não tem lugar pra Júlia no meu carro, vamos agora!
-Você ficou louca?
As meninas estavam sem graça, e eu mais ainda, não sabia o que dizer quando responderam que não iriam sem mim, e fiquei observando em choque a Renata partir.
-Gente, não preocupem comigo, acho que nem quero ir mais, vou pedir minha mãe para me buscar...
Mas assim que terminei de falar eu a vi voltando, gritando para corrermos e entrar logo no carro, que havia arrumado um espaço pra mim.
Eu não sabia mais onde me esconder naquele lugar, não tinha ideia do que estava fazendo ali, mas a noite só piorava.
Eu e o Pedro mal nos olhamos, e ele não sabia falar de outra coisa senão a viagem para Porto Seguro, e enquanto isso a Renata conversava - claramente sobre mim - com seu namorado.
Eu precisava acabar com aquilo, não entendia como havia chegado naquele ponto, e foi naquela mesma quarta feira que demos um fim naquele namoro bizarro.
-Precisamos conversar, isso não está dando certo, Pedro.
E foi aquela frase de cinema que eu escutei "acho que não estou preparado para um relacionamento sério".
Meu Deus, tinha que ser essa?
Em momento algum fiquei triste ou chorei, foi um término aparentemente tranquilo, em que dizemos manter a amizade, e o alívio que eu sentia era inigualável. Parecia ter tirado um peso das minhas costas.

Mas a partir daí muita coisa mudou. Agora eu entendia quando diziam que a Renata era uma pessoa de "difícil convivência", e queria manter a distância. Me afastei também do ciclo de amizade do Pedro, percebi que no momento realmente não era o que eu queria para a minha vida, e a partir daí eu e o Artur nos reaproximamos de uma maneira inacreditável.

Ah, o Artur.

Percebi que eu havia passado minutos viajando naquela história quando a Alice me cutucou.
-Xulia, você tá bem?
-Ei! Xulia é o apelido que eu inventei, só eu posso usar - era a Laura toda brava.
Respondi dizendo que estava bem, mas a troca de olhares realizada entre nossa dupla fez com que a Alice percebesse que tínhamos um assunto particular a ser tratado, e logo voltou para seu grupinho.
- Fala, Xulia.
- Então... acho que briguei com o Artur ontem...
- A não, de novo! Vocês têm que resolver isso logo.
- É. Por isso ele me chamou pra almoçar com ele hoje.
- Ih! Tô sentindo um clima...
E eu não podia mais negar, minhas amigas me conheciam bem demais para acreditar nas minhas enrolações.
- Mas e a Renata?
- Ah Júlia, por favor né?! Não vai me dizer que acha que ele está tendo encontros secretos com ela? Merda. Pode ficar tranquila, que sinto que não é isso que tá acontecendo, conversa com calma com ele hoje e me conta depois.

Eu já estava mais tranquila quando fui encontrar com ele, e o impressionante é que mesmo com meus sentimentos malucos, perto do Artur eu me sentia a vontade, tudo ficava leve e tranquilo, até em nossos piores momentos.

Fomos almoçar no restaurante que costumávamos frequentar dois anos antes, quando éramos da mesma sala e tínhamos que ficar o dia inteiro no no colégio para fazer trabalhos. E durante o caminho fomos relembrando aquela época, o período em que nos aproximamos.
- E de pensar que sempre que você vinha aqui, pegava a cortesia de doce de banana pra mim só porque eu adorava e você não, me abandonou mesmo né Artur.
E ainda assustávamos quando eu o chamava pelo primeiro nome, já que ele só era chamado de Leal, e inclusive por mim. Mas agora não dava mais. O garoto de agora se tornara totalmente diferente do que era anteriormente, e era pelo Artur que eu estava me apaixonando.

Na fila do self-service servíamos apenas salada, peixe e frango, dizendo estar no "Projeto Mulher Maravilha e Superman", e até na indecisão éramos parecidos, demorando minutos para escolher onde assentaríamos.
- Tenho uma surpresa pra você, ou melhor, duas.
E antes que eu respondesse ele tirou um carregador e um livro de sua mochila.
- É pra mim????
- Bem, o carregador sim. Minha mãe comprou errado, e sei que você é a mestre de estragar carregadores, então esse é pra você. E o livro é aquele que você me pediu emprestado.
Mas eu nunca imaginava que iria realmente lembrar de levá-lo pra mim, nem sabia se havia lido de fato, mas o resumo que ele fez da obra enquanto eu analisava meu novo carregador lilás me provou o contrário.
- Você é um fofo mesmo viu! Muito obrigada, e pode deixar que assim que eu terminar de ler, te devolvo.
- Oba, vamos ter que encontrar de novo.
E o sorriso não saía de nossos rostos.
- Agora vai comer a sua salada, seu pagante de fitness, antes que fique ruim.
- Falou viu, Mulher Maravilha.
- Engraçadinho, anda logo, te desafio a terminar esse prato.
- Hum, nem vou aceitar esse viu, meu remédio tira o apetite.
E foi quando ele me contou algo que eu realmente não imaginava.
- Júlia, não foi só de você que eu me afastei durante aquele tempo. Poucos sabem, mas eu fiquei péssimo, não saí de casa durante meses, nem pra ir à escola. Tinha medo de tudo, pensava que seria assaltado por qualquer um se saísse de casa sozinho.
Uau. Por essa eu não esperava. Sempre achei que ele havia sumido por ter feito novos amigos e esquecido de mim, jamais pensara numa hipótese dessas.
- Mas vamos mudar de assunto, sei que é complicado, depois eu te conto mais sobre isso.
E ele percebeu o quanto aquilo me tocara.
- Relaxa, eu já tô bem, esses dois remedinhos me salvaram.
- Dois?
- Sim. O que o médico me receitou, e você.
E eu não sabia mais qual era o nível da piada. Se era só pra me fazer rir ou se havia alguma indireta.
- Uhum, sei. Vamos logo pagar pra podermos conversar em um lugar melhor, o nosso projeto já falhou.
Naquele dia ele pegou 3 docinhos pra mim, pra compensar o tempo ausente, e enquanto eu comia, fomos caminhando até o Shopping Diamond Mall, já que era em frente ao ponto do ônibus que precisávamos para ir embora depois.

-Então, agora vem o assunto chato. Pode me explicar o que há entre você e a Renata?"
Decidimos fazer uma "maratona" passendo pelas vitrines enquanto discutíamos, e então eu expliquei tudo pra ele.
O quanto aquela garota decidira me provocar de forma maldosa - e não foi só uma vez - e como o fato dele ter me "trocado" por ela me deixava triste.
- Olha Júlia, eu sinceramente não sabia dessas coisas que ela te fez, quero que saiba que para mim ela demonstrou ser uma pessoa totalmente diferente, e eu jamais manteria uma amizade dessas sabendo dessa personalidade dela. E sobre te "trocar", isso nunca aconteceu. Por um tempo ficamos afastados e eu acabei me aproximando mais dela sim, mas no momento você sabe quem é a única pessoa que eu passo o dia inteiro conversando.
Eu não sabia mais o que dizer, já havia contado o que estava me incomodando, e começado a acreditar que talvez a hipótese de que ele gostava dela pudesse ser mesmo um mal entendido. Só havia mais uma coisa.
- E como você explica ela nos seus favoritos do Snapchat?
- Por favor né Júlia, você sabe que só entro naquilo pra conversar com você. Temos mais de 20 dias de foguinho, que indica que trocamos imagens todos os dias durante mais de duas semanas. Só respondi uma mensagem dela e ela foi para os meus melhores amigos, pode acreditar.
- Hum. Aceitável, vou analisar o caso, mas agora tenho que ir. Minha irmã espera por mim para irmos ao dermatologista.
- Ok, vou te levar até o seu ponto de ônibus, o meu é logo em frente.
E, chegando lá, vi que o 64 se aproximava, mas eu não queria correr pra pegá-lo sem me despedir direito.
- Relaxa, eu pego o próximo.
E marcava cinco minutos para ele chegar, em que fomos nos despedindo, e quando eu disse que era melhor irmos cada um para seu lado, para não correr o risco de perder outro ônibus, ele me abraçou.
"Fica."
Foi a palavra mais doce que eu escutara em muito tempo. Foi quando percebi que nunca havia sequer abraçado meu melhor amigo. Quando notei que estávamos tremendo, e que aquele era o maior contato físico que estávamos tendo em anos. Quando percebi que não podia ser só amizade.
Foi o melhor abraço que eu já havia recebido. Eu podia sentir os olhos fechados, as mentes confusas, mas os corações a mil.

E mais uma vez vi o número 64 se aproximando. Dessa vez eu não iria perdê-lo.
Por um impulso me soltei daquele abraço e apertei sua mão gelada, partindo sem olhar pra trás.

5 comentários:

  1. Tá rolando um clima aí!

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  2. 😍😍 tá mtt boa a história e obrigada por me incluir

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  3. Tá ÓTIMA a história, eu sou muito curiosa então por favor escreva a continuação❤

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  4. Caraca Julia, acho que vou estar viajando demais se te perguntar, mas o Artur e a Julia da história são reais? Você pelo menos conhece os dois? Gostei muito e estou querendo o próximo capítulo! ❤��

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    1. Ei! Fico feliz que estejam gostando :)
      São personagens reais sim!! E pode deixar que em breve tem capítulo novo ❤

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